sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Povoada Solidão

Pintura - Van Gogh
Solidões que fazem-me companhia. Solidões imprescindíveis, que me acompanham e nunca me deixam só. Solidão do último gole de vinho. Do último palito de fósforo. Do olhar que se despede. Da rosa nunca entregue. De Deus no sétimo dia. Solidão de estrela sem noite. De poeta a soletrar silêncios. De pálpebras cansadas. Do cheiro do dia. Solidão de pôr-do-sol sem olhar que o contemple. De ilha que enxerga sua naufraga visita. Do velho a beira da eternidade. De quarto sem hospede. Solidão de suicida. Do pedido de socorro. Do derradeiro suspiro. Solidão de razão em hospício. De mulher no banho. Da orelha de Van Gogh. De poema esquecido. Solidão de puta em cabaré nenhum. De música na pauta. De homem chorando. Do silêncio do verbo. Solidão de batuta sem mãos. De pele sem língua. De ardência sem lábios. De tesão sem sexo. De palavra dormindo. De Palmeira sem Lellis. Solidão da noite sem dia. Do amor a espera. Da paixão sozinha. Solidão de olhar a procura. Do vazio do cálice. Do ávido desejo. Solidão de tudo em nada existindo. Solidão de neto sem avó, sem mãe e avô. Solidão de mim.

Gosto do cheiro da solidão, do gosto da solidão. Da solidão das palavras. Solidão de Deus sem Pai, Filho e Espírito Santo. Da solidão esquecida que não consta no texto.

Solidões me povoam.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Algo mais que o poético

Pintura - Fernando Barbosa


Uma mulher
é algo mais que suas curvas.
É algo mais que seus perfumes
É algo mais que suas vestes.

Uma mulher
é algo mais que um romance
É algo mais que sua nudez
É algo mais que um poema.

Uma mulher
é algo mais que sua palavra.
É algo mais que seu silêncio.
É algo mais que um poeta.

Em uma mulher o que amanhece é à noite.
Em uma mulher o que anoitece é o amor.
Em uma mulher o que acontece é o amor.

Uma mulher é muito mais que uma loucura.

Uma mulher
é algo mais que sua alquimia.
É algo mais que uma eternidade.
É algo mais que uma oração.

Uma mulher
é algo mais que sua história de amor.
É algo mais que seu abandono.
É algo mais que sua dor.

Uma mulher
é algo mais que seu desejo
É algo mais que um sonho.
É algo mais que sua insônia.

Toda mulher é naufraga em seu amor.
Toda mulher é perto mesmo quando ausência.
Toda mulher é nudez mesmo quando vestida.
Toda mulher é muito mais que sua genealogia.

Uma mulher
é algo mais que os homens que a desejam
que a esquecem
que a choram.

Uma mulher é algo mais que sua solidão.

Toda mulher é palavra mesmo em silêncio.
Toda mulher é silêncio mesmo quando palavra.

Uma mulher é algo mais que seu amor.

Uma mulher, uma única mulher, é quem poema a minha vida.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Cubículo 69


Pintura - Picasso

Morto, abandonado, jogado maltrapilho no quadrado do seu mundo.
Morto, com sonhos enfermos amontoados sobre seu leito, impedido-lhe de deitar sua eternidade.
Morto. Com o nome escrito no mármore frio, orvalhado pela brisa da noite a única que não o esqueceu.
Morto, agora sem sonhos, sem lágrimas, sem oração, mas, existindo orgulhoso no esquecimento do seu deus.
No esquecimento de Deus.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Solidão de orquídeas

Pintura - Van gogh
Conheci uma mulher de olhos tristes, seios castos e suntuosa boca. Conheci uma mulher coroada de orquídeas. Uma mulher com cheiro de jardim e de olhos serenados. Com pele cândida e epíteto poético. Conheci uma mulher de palavras rubras e riso trágico. Ébria do vinho de sua solidão. Bela sua dança, sua nudez ainda vontade. Belas as covinhas brotadas em sua face quando riso. Belo o modo como abraça o olhar com os cílios cansados. Bela como uma sinfonia de rouxinóis.
Conheci uma mulher triste como um sereno. Mesmo sendo ela toda a chuva. Triste como o mendigar de uma criança vestida de noite para o luto, após haver perdido sua mãe para a fome. Conheci uma mulher bela como um poema em silêncio. Bela como a ternura de um beijo de mãe no filho quando dorme suas travessuras.
Conheci uma mulher triste, que nunca se despediu do amor, mesmo tendo ele partido. Conheci a solidão de uma mulher coroada de orquídeas.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Da série: Pequenos Orgasmos

Pintura - Pablo Picasso


* Visitei o paraíso ao pecar teu corpo.
* Aderi ao pecado ao sussurrar teu êxtase.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Entrevista


Entrevista concedida para alunos da 6ª séria da Escola Monteiro Lobato. Afogados da Ingazeira



Por que você escolheu essa profissão?
Eu não escolhi, ela me escolheu. A minha escrita nasceu de uma ausência, quando a minha mãe encantou-se (quero dizer faleceu) cinco dias depois escrevi o meu primeiro poema. Um poema trágico, brotado da dor. O meu ofício de escritor é a minha vida, é o que há de Deus em mim. Será que Deus costuma doer?

Faz quanto tempo que você exerce tal profissão?
Tenho um caso de amor com a literatura desde a infância, quando o livro: “O pequeno príncipe” não me saia das mãos. As suas imagens poéticas me deixavam absorto. Mas, como falei anteriormente a escrita veio com o falecimento de minha mãe. O despertar da minha escrita veio com o seu cerrar de pálpebras.

O que você sente quando está escrevendo?
Um sentimento de liberdade, de gratidão, de amor. Com meus personagens dou corpo ao que em mim é incorpóreo, visto minha alma com o bordado das palavras, também a dispo da própria nudez. Meus personagens embalam meus sonhos e põe pra dormir meu medo.
O que seus livros retratam?
O primeiro Amor, Abstrata Loucura é um livro de poemas. Poemas com cheiro de infância apesar do que há de profundo em alguns deles. Batizei esse meu primeiro livro como meu pecado de juventude, não o lançaria hoje em dia, o acho muito imaturo. São poemas que ainda molham as fraudas. (risos). O segundo O Diário de Mória é o meu xodó, pois enquanto estava a escrevê-lo conheci um pouco mais sobre mim, sobre Deus, sobre a loucura que habita o cerne humano. Tive como matéria-prima a loucura, conversei com “loucos” e me descobri um. E o meu último livro lançado se chama Prece ao Pecado, um romance que desnuda nossos desejos.

Qual seu maior sonho?
Tenho vários sonhos o que é peculiar a todo ser humano. Não dá para definir qual é o maior, tenho sonhos adultos e sonhos meninos, sonhos ainda criança, sonhos ainda aprendendo a falar o próprio nome.

As crianças têm acesso as suas histórias?
Já me surpreendi diversas vezes com crianças falando trechos dos meus livros, dizendo que leram ou que os pais leram e comentaram. Apenas não recomendo o terceiro, pois o mesmo tem trechos inadequados para crianças e adolescentes. Tenho um livro em processo de gestação para crianças, talvez para o ano seja lançado.

Que livro seu fez mais sucesso?
O Diário de Mória. Consegui vender todos os exemplares em apenas 3 meses.

Você tem algum ídolo escritor que se inspira nele?
Não busco inspiração nos escritores, apesar de ter uma multidão deles que admiro. Busco inspiração na natureza das coisas e dos seres. Nos gestos inocentes das crianças, no olhar da noite que cai sobre nós, na loucura humana nossa maior razão, nos aromas que nos embriagam, no silêncio que arranha a pele do verbo. E em tantas outras coisas que as palavras buscam vestir. Aproveitando o ensejo quero aproveitar para parabenizar a professora e a Escola Monteiro Lobato pelo incentivo e orgulho que tal atividade nos oferece.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Ser-tão-bardo

O sertanejo é repleto de paisagens.
Um ser apinhado de infância.
De seca e caatinga.
De labuta e sotaque.

È um reverberar de silêncios.
Um encorpar de verde mata
com resquícios de seca.

O sertanejo é um bardo de mãos calejadas.
Um ser que assobia o silêncio
E tem como vestes a madrugada.

domingo, 17 de fevereiro de 2008

Da série: Longínquos Amores – Uma Pequena Ode.

Pintura - Manet
Melina era soberba. Uma frase silenciosa de um romance, que se faz mais ouvida que todo o livro. Vestida de linguagem ela oferecia-se poema para mim. Sempre oferecendo-me a sua intimidade de uma forma dolorosa, chegando a doer. Daí descobri-me masoquista. Seu olhar era enigmático, uma mistura de paisagem e olhos fechados. Uma mulher repleta de deslumbramentos.
Seus olhos, egípcios. Suas vestes, épicas.
Vestira-se de tristeza diversas vezes e ficava elegante em tal traje. Nem o preto aderia tão bem a seus delineamentos quanto a tristeza. Seus cabelos eram chuva; derramados por sobre os ombros. Seus orgasmos pareciam intermináveis. Sua tristeza me fez insone em noites regadas a vermute e Bach.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Um último gole de sede - Diálogo com o poeta Fabrício Carpinejar no MSN


Alessandro Palmeira diz:
Brincando com a madrugada?
Fabrício Carpinejar diz:
ela brinca mais comigo
Fabrício Carpinejar diz:
de vez em quando estou dormindo
Fabrício Carpinejar diz:
e ela permanece acordada
Fabrício Carpinejar diz:
abraços
Alessandro Palmeira diz:
A comunidade no orkut sobre vc, cresce diariamente.
Fabrício Carpinejar diz:
que isso
Fabrício Carpinejar diz:
eu lamento não estar lá para ver
Alessandro Palmeira diz:
rss
Fabrício Carpinejar diz:
aprenderia muito
Alessandro Palmeira diz:
Passa lá depois
Fabrício Carpinejar diz:
eu nçao tenho senha nem nada
Fabrício Carpinejar diz:
página ou visto
Fabrício Carpinejar diz:
sou clandestino
Alessandro Palmeira diz:
então, não tens orkut
Fabrício Carpinejar diz:
não
Fabrício Carpinejar diz:
incrível, né
Alessandro Palmeira diz:
nada
Alessandro Palmeira diz:
agente perde um tempo danado
Alessandro Palmeira diz:
mais tbm ganha um tempo danado
Fabrício Carpinejar diz:
risos
Fabrício Carpinejar diz:
eu pensei: não dou conta do e-mail
Fabrício Carpinejar diz:
imagina com orkut
Fabrício Carpinejar diz:
risos
Alessandro Palmeira diz:
entendo
Alessandro Palmeira diz:
verdade
Fabrício Carpinejar diz:
poeta nasceu para perder tempo
Fabrício Carpinejar diz:
tempo a fundo perdido
Alessandro Palmeira diz:
e pro tempo ganhar poema
Alessandro Palmeira diz:
a eternidade só existe no tempo por causa do poeta
Alessandro Palmeira diz:
rss
Fabrício Carpinejar diz:
verdade
Fabrício Carpinejar diz:
vou lá, meu irmão
Fabrício Carpinejar diz:
dormir
Fabrício Carpinejar diz:
estou em campo grande
Fabrício Carpinejar diz:
solidão de hotel]
Alessandro Palmeira diz:
abraços
Fabrício Carpinejar diz:
estou conduzindo oficina de criação poética
Fabrício Carpinejar diz:
termina sábado
Fabrício Carpinejar diz:
tempestade tropical
Fabrício Carpinejar diz:
guarda-chuva destreinado
Alessandro Palmeira diz:
um dia pago tua passagem para vc conhecer Afogados da Ingazeira
Fabrício Carpinejar diz:
o sol é nuvem aqui
Fabrício Carpinejar diz:
onde isso?
Alessandro Palmeira diz:
e em Pernambuco quando farás oficina?
Fabrício Carpinejar diz:
PE
Alessandro Palmeira diz:
isso
Fabrício Carpinejar diz:
lindo o nome
Fabrício Carpinejar diz:
Afogados da Ingazeira
Alessandro Palmeira diz:
a minha cidade fica próxima a Sertânia terra de Marcelino Freire
Alessandro Palmeira diz:
ele conhece bem
Alessandro Palmeira diz:
sim, muito bonito, poético pacas
Fabrício Carpinejar diz:
quero conhecer
Fabrício Carpinejar diz:
nunca pintou oficina em pernambuco
Fabrício Carpinejar diz:
Se pintar, eu vou, com certeza
Fabrício Carpinejar diz:
antes que a cidade me habite
Alessandro Palmeira diz:
tentaremos te trazer
Fabrício Carpinejar diz:
a cidade de nome mais bonito é do rs
Fabrício Carpinejar diz:
sem bairrismo
Alessandro Palmeira diz:
agora não roube a cidade de mim
Alessandro Palmeira diz:
diz o nome da cidade?
Fabrício Carpinejar diz:
são josé dos ausentes
Alessandro Palmeira diz:
verdade
Fabrício Carpinejar diz:
a mais fria
Alessandro Palmeira diz:
tem presença demais essa cidade
Fabrício Carpinejar diz:
risos
Alessandro Palmeira diz:
lindo nome
Fabrício Carpinejar diz:
nascer já acostumado com a ausência
Fabrício Carpinejar diz:
isso deve ser interessante
Fabrício Carpinejar diz:
lindo, né?
Alessandro Palmeira diz:
ou na companhia dela
Alessandro Palmeira diz:
demais
Fabrício Carpinejar diz:
risos
Fabrício Carpinejar diz:
bom
Alessandro Palmeira diz:
Fabro
Fabrício Carpinejar diz:
tô um cara da madrugada mesmo
Fabrício Carpinejar diz:
inspirado
Fabrício Carpinejar diz:
eu já estou no último gole do rum
Fabrício Carpinejar diz:
no sangue
Alessandro Palmeira diz:
o meu vinho já acabou
Fabrício Carpinejar diz:
a garrafa verde do vinho
Alessandro Palmeira diz:
mais acabei me embriagando com a poesia de nossas cidades
Fabrício Carpinejar diz:
esconde o nosso fim
Fabrício Carpinejar diz:
é a mais honesta que conheço
Alessandro Palmeira diz:
rs
Fabrício Carpinejar diz:
a da cachaça
Fabrício Carpinejar diz:
é ambiciosa
Alessandro Palmeira diz:
ousada
Fabrício Carpinejar diz:
mostra até o que estamos por beber
Alessandro Palmeira diz:
logo tira as vestes
Fabrício Carpinejar diz:
não, ela já vem nua
Alessandro Palmeira diz:
despe-se até da própria nudez
Fabrício Carpinejar diz:
a da cerveja é impaciente
Fabrício Carpinejar diz:
ela não existe sozinha
Fabrício Carpinejar diz:
sempre está companhada
Fabrício Carpinejar diz:
de outras garrafas
Alessandro Palmeira diz:
rsssss
Fabrício Carpinejar diz:
é a mais triste de todas,
Fabrício Carpinejar diz:
vira casco
Alessandro Palmeira diz:
e mesmo acompanhada fica só
Fabrício Carpinejar diz:
sim
Fabrício Carpinejar diz:
a do uísque
Fabrício Carpinejar diz:
é feita de fumaça
Fabrício Carpinejar diz:
fogo envidraçado
Fabrício Carpinejar diz:
não bebemos, queimamos
Fabrício Carpinejar diz:
lentamente
Fabrício Carpinejar diz:
é a cozinha das garrafas
Fabrício Carpinejar diz:
o forno a lenha das garrafas
Fabrício Carpinejar diz:
vou ir, pois a conversa está me dando uma sede danada
Alessandro Palmeira diz:
rapaz vc está bem entendido de embriaguez
Fabrício Carpinejar diz:
risos
Alessandro Palmeira diz:
toma a sede ora
Fabrício Carpinejar diz:
eu sou bebido com muita facilidade
Fabrício Carpinejar diz:
pelas palavras
Fabrício Carpinejar diz:
abraços e inté
Alessandro Palmeira diz:
te estimo muito
Fabrício Carpinejar diz:
obrigado pelo drinque
Fabrício Carpinejar diz:
Fabro
Fabrício Carpinejar diz:
também
Alessandro Palmeira diz:
obrigado pelas palavras com ressaca
Alessandro Palmeira diz:
até
Fabrício Carpinejar diz:
sempre há uma enxaqueca para lembrar delas
Fabrício Carpinejar diz:
risos
Alessandro Palmeira diz:
risos

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Da série: Todas as Cartas - Aroma de Palavras

Pintura-Jean Basquiat

Hoje o dia amanheceu com cheiro de jasmim e tristeza. Com isso, resolvi te escrever. Por saber que mesmo alegre você ainda é triste dentro, é triste fundo. Não que não seja bom ser triste, não que a tristeza não tenha sabor, mas doe demais. Eu como você sinto uma vontade de chorar sem saber bem o porquê, sem saber por que se chora assim, tão sozinho, sem se saber. Eu como você, amo a poesia da vida, mais nem mesmo ela tem me bastado.

Carrego nas mãos uma criança perdida, que chora por ter sede de Deus. Amiga, nem mesmo Deus tem me saciado. Sinto medo. O próprio amor me assusta. Diariamente vivifico minha morte, e gosto de ter tal consciência. A possibilidade de suicídio me apraz ao mesmo tempo em que nenhum suicídio me delicia. Sim, sou extremamente contraditório, mas quem não o é? Acalenta-me saber que ainda existo aromas de palavras.
Hoje o dia amanheceu com cheiro de jardim e tristeza; e eu lembrei de você.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Testamento

Pintura Van Gogh
Para meus amigos deixo meus sapatos, minhas roupas, deixo os meus lençóis maculados de meus êxtases, meu perdão por amá-los. Deixo os meus segredos guardados há muito nas flores de um jardim que não houve. Deixo a lembrança do meu riso e minha tristeza obscena. Deixo o inaudito das músicas que me fizeram doer. Deixo os silêncios das músicas que compus, e sozinho cantei. Para meus amigos deixo minha loucura.
Deixo todos os presentes de aniversário que não recebi para as crianças que virão. Deixo para o mundo meus rascunhos. Deixo para Deus meu prazer de nunca tê-Lo conhecido. Também deixo-Lhe minha embriaguez e as primaveras que nunca contemplei.
Deixo meus aromas e meus sabores no pomar do passado. Deixo meus anéis como testemunho de que também fui material, mesmo pensando-os metafisicamente. Deixo a infância de minha alma. Deixo-me puerícia.
Deixo minhas borboletas, minha gilete, meu suicídio. Deixo as flores que roubei, meu paradoxo, meus textos rasgados, meus textos beijados, meus textos esquecidos. Deixo as cartas da Mari, os quadros do Nettzo e do Diel, e o conhecimento de mim que possui o Thiago C. Deixo vivo o meu algoz e suas palavras repletas do meu estilo, pois, lembrarão de mim ao vê-lo no hospício que criamos. Deixo o Márcio e o Amâncio como testemunho da intensidade com que provei a vida. Deixo para Sara e Bel alguns poemas repletos de suas respectivas alegrias, mas, que ainda são desconhecidos à ambas. Deixo toda essa fonte para o meu amigo-irmão Júnior Veras e a autorização da biografia que ele diz querer escrever, para que eu fique, mesmo quando aqui não mais estiver.
Deixo meus poemas nunca escritos para Lellis e os escritos também. Deixo meus livros e seus aromas empoeirados, e suas palavras nas quais tanto os meus olhos caminharam. Deixo meu lirismo para acolhê-la do frio e pôr pra dormir a saudade. Deixo pra ela meus olhos de entardecer, minhas tintas de entardecer, meus delírios de entardecer a manhã, minha vontade de anoitecer apenas para seu descanso. Também deixo aquelas ilusõezinhas que guardamos por baixo do travesseiro de nossos sonhos. Deixo meus ressuscitar.
Deixo o cerrar de minhas pálpebras como último gesto de amor, e meu silêncio como palavra, para ser sempre ecoada em seus ouvidos dispersos, em seus ouvidos atentos, seus ouvidos meus. Deixo meu amor sem sobra ou desperdício. Deixo meu amor inteiro, para ela.

PS: Não deixarei minhas mortes, essas não, essas eu as levo comigo.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Oração para os seios de Sofia

Pintura - Pierre-Auguste Renoir

Naquela manhã não precisava existir ternura, paixão, ou até mesmo ardência. Não precisava existir Deus. Naquela manhã não precisava existir pássaros, sóis, ou qualquer canto. Sombra. Seus seios eram a própria manhã. Seus seios amanheciam mesmo sem terem sido noite. Seus seios me comovem. Nada mais me é sublime depois dos seios de Sofia. Depois de seus seios passei a ser mais poeta. Tamanha a ternura dos seus seios que quase desisti de escrever. Como sublimar algo depois dos seus seios? Como chorar depois de descansar seus seios? Como não escrever depois dos seus seios? Como não chorar seus seios? Seus seios sugerem palavras, aromas, e inquieta as mãos. Efervesce o corpo e abranda alma. Seus seios são Deus existindo com veemência. Seus seios são pornográficos. Seus seios são santos. São sabor. Seus seios pecam e oram. Seus seios são preces. Seus seios silenciam o amor e convidam ao descanso. Seus seios diminuíram o poético das coisas para mim. Depois dos seus seios, morrer é apenas detalhe. Minha última lembrança será dos seus seios. Por mais bocas, mãos e olhares que existissem neles, seus seios eram solidão. Seus seios mataram o meu medo da morte.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Não quero viver por viver

Pintura Jean Basquiat

Esse texto foi escrito há um ano. Há uma confissão nele que eu gostaria que ficasse.

Não quero viver por viver. Não quero a farsa da vida. Quero o sabor da vida, mesmo que seja ou esteja ele amargo. Quero a solidão de uma estrela como minha. Quero minha solidão povoada do que sou, mesmo sendo multidão. Não quero viver por viver. Quero o corte, a cicatriz, o perfume, a textura da pétala, a dor que causa o espinho. Quero minha tristeza intocada quando plena, quando me fizer chorar mansinho ou gritado. Gritado como esses silêncios que se insinuam ouvidos, gritado como uma confissão de amor ao pé do ouvido. Gritado como pretendo existir. Mansinho como dorme uma criança. Não quero viver por viver. Quero a palavra. Sendo navalha ou carinho, quero a palavra. Quero a palavra sendo amiga, prece ou pecado. Não quero viver por viver. Quero ser poema. Quero que todo sentir seja intenso, alegre ou doendo, canônico ou pecador. Quero um sentir intenso para o amor. Não quero viver por viver. Quero cheirar os cachinhos de minha avó, pedir a sua benção, fitar seu olhar que é doce, beijar a sua testa e vê-la dormir. Quero dizer que a amo. Não quero viver por viver. Quero o simples, o complexo, a alegria, a tristeza, as sensações, os vazios, o transbordar, o vinho, o abandono do copo, o abandono do corpo, a nudez, as vestes esfarrapadas, as vestes lindas, o mendigar, a fartura. Quero o acordar, o recolher de pálpebras, o cheiro dos lençóis, a cama bagunçada, o amor a espera, o êxtase do sexo, o orgasmo da vida. Não quero viver por viver, mas, não desejo um morrer em vida. Quero um morrer repleto de tanta vida.
- Amigo, de que morreu o poeta?
- De tanta vida, amigo, de tanta vida.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Ela

Pintura Jacqueline - Pablo Picasso


Ela me desnorteia os sentidos quando de um jeito meigo me oferece a mão e faz de mim mais caminho do que passos, mais pássaro que homem. Quando faz de mim sua morada e sua estadia. Ela me encanta quando franze a testa do modo mais lindo que já vi. Quando o sono lhe cerca e suas pálpebras acenam adeus como quem num sorriso se despede. Ela me desnorteia quando se despe, quando a inocência é o que lhe veste. Quando me abençoa com a nudez. Quando sorrir em desabrochar. Ela me arrebata quando o olhar é avassalador, ou quando nem bem ainda é olhar. Desde que a conheci nunca mais houve rotina estando com ela. Ela acorda o cotidiano invariavelmente, não o deixa repetir suas cores, seu cheiro, seu gosto. Ela não se repete. Eu não me repito estando com ela. Eu não me repito estando nela.
Ela me comove quando chora mansinho, quando o amor lhe assusta, quando a paixão é sozinha. Ela me comove quando uma lágrima inunda seus cílios e o jardim dos seus olhos. Ela me comove quando com medo se despe para o amor. Quando poética pega de mansinho minha mão e a conduz para o calor do seu seio. Ela me comove quando recita um silêncio.
Ela me anoitece quando sou tarde. Quando minha manhã se mostra triste, ela me anoitece. Quando a luz do dia ofusca meus olhos ela me anoitece. Quando a noite se insinua melancólica ela me abraça. Ela me afoga em seu sussurro. Quando tenho medo ela me anoitece. Quando a nudez pede vestes, ela me anoitece.
Quando ela anoitece faz de mim seu sono.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

Longínquo



Não sei se choro ou recolho as pálpebras em silêncio. Sem alarde ou aceno de sobrancelha. Sem tristeza.
Cuida bem dos teus olhos menina, não deixa outras paisagens fazer pesar os cílios. Não permita outros cansaços para a sede. Deixa a água ser água apenas quando banhar teu corpo e fizer de tua sede possibilidade de te sentir o ventre. Cuida bem dos teus olhos menina, não chore um silêncio depois que ele te invadir gritado. Não acarinhe a manhã se ela te doer nos olhos. Se ela logo te evidenciar a cor do teu dia.
Não sei se choro ou olho longínquo. Sem paisagem ou infinito. Sem você.
Cuida bem dos teus olhos criança, não os deixa afogados em teu medo e desejo. Não desespere seus sonhos, deixe-os em seus ninhos de amor e vontade.
No castanho dos olhos nos aproximamos, menina.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Quando Criança

Pintura - Picasso
Quando criança dava nome a todas as estrelas que contemplava. Maria, Letícia, Eva, Joana, Eulália, Beatriz. Todas enleios meus. Eram tristes esses devaneios, estavam sempre mergulhados num sentimento de solidão debelada. Um desvario com cheiro, inocência e amplidão. Uma criança com medo, poesia e cílios castanhos. Queria provar o gosto do seio de cada uma delas, calcar cada infinito pra chegar até elas, mesmo estando com peito cansado e coração repleto de sentimentos tenros. Quando criança, porco era “apuis”, água era puá, cigarro Hollywood era Luluiud, Continental era Comental. Tinha melhor vocabulário do que hoje.
Quando criança pedia desculpas a Deus por roubar manga no colégio, por comer escondido em baixo da mesa da cozinha a margarina do café; por não saber chorar baixinho. Quando criança roubava doces para as formigas, queria vê-las com os dentes cariados. Quando criança rezava em voz alta pra chegar amplificado aos ouvidos de minha avó, e lhe ouvir dizer: “Escuta Socorro o menino rezando!” Minha mãe ria compreendendo o meu rezar. Quando criança meus fantasmas de hoje ainda molhavam as fraudas, e eu pra não ficar pra trás os acompanhava. Quando criança provei do corpo de cristo e não gostei de senti-lo nas estrelas da boca. Quando criança tinha uma tristeza me habitando o paraíso.
Quando criança alucinava baixinho qualquer vontade de voar, pra não cair do alto de minha ilusão. Namorei uma menina da escola durante três meses sem ela saber; o namoro terminou assim que ela soube. Quando criança chorava em segredo o pranto miúdo de minha avó. Pintava com meu avô suas derradeiras ilusões de político, até ele partir politicamente correto de paletó, gravata e meias furadas.
Quando criança, tive a altivez de uma noite eterna. Quando criança, minha última estrela se chamou Socorro.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Todas as Cartas - Para a lua em nome da noite.


Pintura de Almeida Júnior



De minha paisagem de dentro te escrevo,


Saudações!

Delírios verbais.

Queria sair de mim para melhor me explicar. Mas infelizmente eu não sei me abandonar. Esse gosto de manhã em minha boca me perturba a noite, perturba a noite de mim. Não sei ser manhã. Eu não sei me abandonar. Em tudo sinto o avesso do verso que é minha alma. Um beijo insípido tenta meu vinho. Uma embriaguez qualquer alucina meu deus. Eu não sei me abandonar. Sei ser sozinho, mas não me abandonar. Quereria, mas não sei.

Ímpeto e serenidade.

Olhos e olhares e mãos e eu.

O choro se mistura a solidão de mim. Escrevo.
Quero saber qual o teu cheiro para a noite. Quero saber de tua tristeza e de tua alegria. Qual o teu medo? Quero te saber.
Você uma mulher vestida de tarde. De um entardecer contemplativo. Uma mulher vestida de crepúsculo. Mas com vazios existenciais tremendos. Deliciosamente triste, furiosamente delicada.

Maquiei meus fantasmas com batons, rímel e solidões. Com o cheiro de minha infância. Todas as minhas ausências são palpáveis. Um ser repleto de sendas, silêncio de cicatriz na pele. Chamam-me de poeta, mas não passo de uma sensação. De um olhar ainda por vir, de uma melancolia alegremente triste. Sensação.
Qual tua paisagem de agora? Que nudez veste teus delineamentos?
Eu não profiro nada, as palavras falam, as palavras falam-me todas as noites. Palavras são almas em delírios.
Não desejo ser subversivo com tua delicadeza. Mas não desejo falar de mim sem deixar que meus silêncios gritem, sem despir-me até do que é nudez. Com isso, confesso que choro lágrimas absurdas em madrugadas inteiras e febris, que recito em madrugadas outras, poemas extraídos do cerne de minha dor e existência. Toda minha vida foi e é tolerável pela poesia e loucura que em mim coexistem. Tenho sensações que desperta meu íntimo e põem para dormir meu medo. Acredito que já provasses da ousadia que experimentamos em nossos sonhos. Confesso que tirei dos mesmos as tentações e suas respectivas ousadias, e com elas procurei colori a realidade.

Aderi ao pecado por encontrar nele uma forma de vida mais intensa, mais humana, poética e prazerosa. Minhas preces são compostas pela essência dos meus pecados. Pelos sussurros das mulheres que tive e pela nudez ainda promessa.
Poupo-te da crueza de meus relatos mais insípidos. Quero apenas te mostrar a suavidade e o sangrar de cada angústia que me habita, de cada paixão que me consome e perturba. Por favor, uma dose de amor outro, para esse poeta que possui o hábito do pecado. Que cerra as pálpebras em devoção a tua fineza e recolhe mancinho a palavra, deixando que apenas o silêncio gesticule. Sinto ímpetos arrebatadores diante de tão enorme alma e de teus olhos meninos. Olhos a procura, olhos que parecem sozinhos quando na verdade multidão são. Diria que tuas pálpebras são outonais. Há um desfolhar poético e suave na estação dos teus olhos. Teus olhos falam, os meus são rascunho.

Meus delírios são lírios que ornamentam a loucura que tenho.
São meu vinho.

Por favor, uma palavra para o silêncio de mim.
E eu entenderia o meu pecado.

Nudez

Pintura de Giuseppe Dangelico




Em silêncio meus olhos rezam tua nudez.
Tua nudez é minha oração. Tua poesia meu saciar. Tua ausência minha fome.


Contemplando

T
U
A

N
U
D
E
Z


descobri que meu deus não usa vestes.