segunda-feira, 28 de abril de 2008

Da série: pequenos orgasmos

Pintura - Rufino Tamayo

*São tantas vozes meu silêncio.

*Meus poemas possuem desejos de pássaros.

*Gosto de dar nome aos silêncios das coisas.

*Ensina-me a mendigar teus olhos, esse jardim.

*É-me tão próximo, tão dentro, o rumor de tua ausência.

* Tua ausência é meu nome.

sábado, 26 de abril de 2008

Matei um homem.

Pintura de Radaelli


Cometi um crime, assassinei um homem e sua sensibilidade e sua tristeza e sua solidão e seu desespero e sua infância e sua oração e seus orgasmos e seu vazio. Assassinei um homem e sua ternura e seu desespero e seu poema e sua fome e sua alegria e sua elegância e seu querer e seu sentir.
Cometi um crime, assassinei um homem e sua profundidade e seu silêncio e sua nudez e sua dança e seu medo e seu dia e sua noite e seu verbo e sua ebriedade.
Cometi um crime, assassinei um homem e o seu grito e seu inferno e sua paz e sua harmonia e seu mistério e sua glória e sua ardência e seu abandono e sua identidade. Assassinei um homem e suas paixões e sua insônia e seu acordar e seus sonhos e suas metáforas e suas aliterações e suas metonímias e sua linguagem.
Assassinei um homem e seu respirar e sua confissão de amor e seu se deixar e seu estar e seu partir e seu ficar. Mais uma vez confesso, assassinei um homem e sua escrita e sua fé e sua velhice e seu beijo e seu desejo e sua espera e seu amor.
Matei um homem, vocês precisam acreditar em mim.

sábado, 19 de abril de 2008

Confissão.

Pintura - Jean Basquiat


É impressionante como seus versos respiram. Como seus versos me ausentam. Depois de seus versos eu chego a partir, retirar-me, chego a ser lugar nenhum. Eles possuem batimentos cardíacos de ave em mãos de moleque travesso. É espantoso como seus versos existem; enchem as nossas mãos de mundo.
É impressionante como seus versos acolhem o próprio abandono. Como seus versos desnudam e inquietam os olhos que os percorrem, a alma que os busca sentir. Gosto dos aromas que possuem os seus versos porque vindos do cerne de sua loucura, porque repletos de sua essência.
É impressionante como seus versos, mesmo os mais lúcidos, me embriagam.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Fazer valsar as palavras


Ela acorda às 5h e 50 min, o trabalho exige isso, considera o despertador seu inimigo íntimo. Enquanto alguns pássaros com seus bicos de amanhecer ainda acordam um resto de noite em suas asas, ela dança suas pálpebras. Contempla-la enquanto dorme é tocar o longínquo do sonho, dedilhar os acordes do silêncio do sono. Um suave abrir de pálpebras anuncia o seu próprio amanhecer; letárgica recolhe-se novamente a si mesmo por cinco minutos, até despertar decisivamente. Eu sempre quis iniciar o seu dia com um poema, mais ela dorme tão bonito, que eu nunca alcançaria tal poesia. A eternidade parece residir em seus olhos de alvorecer. O amanhecer não desperta seu olhar, seu olhar acorda o amanhecer.
Sua paisagem desafia minha escrita mais poética, incita o convite elegante do verso, o traço apurado da letra. Sua paisagem ilumina a noite existente em meu colóquio silente. Sua voz suaviza minha escrita pujante, enternece meu espírito rebelde, acarinha meu doer de antes.
Sinto-me mais poeta ao contemplar com olhar absorto o arrebol de sua paisagem. Talvez seja necessário fazer valsar as palavras, para melhor elucidar o momento.
Seu silêncio é mais fecundo do que meus versos mais inspirados. O seu dia, de tão belo, por vezes me comove, como um sol de aquarela rascunhado na noite pelas mãos débeis de uma criança louca.

No fim da tarde ela se oferece para os lírios, eu para ela.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Da série: pequenos orgasmos

Pintura - Rufino Tamayo

Despedi-me de mim, em um dia que não sei bem se existi nele ou em mim ele existiu.
Despedi-me sem me saber quem, sem me saber quando, sem me saber eu.

Despedindo-me permaneço.

quarta-feira, 9 de abril de 2008

No sexo a fome é quem sacia.

Pintura - Gustav Klimt

Quero teus seios nus em minhas mãos.
Teu gozo em meus lençóis.
Teu úmido desejo em meu deserto.
Tua boca em meu sedento.

Quero tua ardência queimando dentro.

Quero a homilia sussurrante dos corpos.
O ritmo obsceno dos quadris.

Quero tua pele, teu suor, teu cheiro, teus espasmos.
Quero tua língua em minha sede.

Quero minha carne tatuada de tuas mordidas.
Tuas deliciosas e dolorosas mordidas.

Oferto-te inteira a minha fome.

Por que eis de querer a minha fome?

Queres porque a minha fome te basta, porque a minha fome te sacia,
A minha fome te oferece extremos.
A minha fome te violenta, te oferece orgasmos.
A minha fome te oferece a delícia de prová-la.

Um gosto de sexo na boca.
Um gosto de boca no sexo.

A minha fome te farta.

No sexo a fome é quem sacia.

sábado, 5 de abril de 2008

Mesmo perto é preciso olhar longínquo.

Pintura - Salvador Dalí

Mesmo perto é preciso olhar longínquo para o amor, como se contempla um pôr-do-sol, uma fotografia de quando criança, uma fotografia de uma partida. É preciso olhar longínquo, mesmo para si, há mais palavras no poema que imaginamos ser, há mais ternura, mais loucura, mais arcano. É preciso olhar longínquo para nudez da mulher amada, há algo muito além do corpo, há algo muito além da febre, a nudez da mulher possui algo tão sagrado que a própria poesia ajoelha-se em oração para rezá-la.

O desejo é um origami da alma feito pelas mãos do louco que carregamos dentro, disse-me certa vez um hospício. É esse louco que melhor olha, que melhor sente, vive. É esse louco que nos faz transbordar sede, encorpar embriaguez, tocar o longínquo do amor. É esse louco de dentro que delineia a razão do amor. Mesmo perto é preciso olhar longínquo para as coisas tristes porque belas as olhando assim, porque passadas as olhando assim. Tudo é contentamento para olhos sedentos de paisagens. Tudo é tão dentro no amor, tão entranhado, arrebatado, que precisa-se fechar os olhos para enxergar. Precisa-se abreviar a razão, alargar o delírio.

Olhei a loucura nos olhos e senti mais existência. Nunca me senti tanto. Estavam belos seus olhos, talvez porque tristes ou tristes porque talvez. Estavam. Contemplei com vagar a sua graça e a quis minha. Mesmo perto é preciso olhar longínquo, para Deus, para a dor, para o amor, para o poema nunca escrito. É imprescindível olhar longínquo para quase tudo, menos para a loucura, para a loucura é preciso olhar perto, sentindo o cheiro, sentindo o hálito, a febre; sentindo-se ela. É preciso olhar...

quarta-feira, 2 de abril de 2008

No amor todo silêncio é ouvido

Pintura - Thomas Gainsborough

O que mais me alucina é um olhar triste quando quer sorrir. Um sapato distante do seu par também me alucina. Como a companhia de uma solidão a dois. Maria é professora de português. Profere que gosta de minhas palavras, mas segundo ela, só escuta o silêncio de minhas frases. Diz que minhas palavras me calam, enquanto penso que elas expressam-me.

Um escritor se faz com os silêncios de suas palavras.
No amor alucino qualquer razão para que o declarar seja intenso. A palavra nuança o amor, nubla o amor. O amor insinua-se rubor na face, cerrar de pálpebras num último aceno, insinua-se despedida para ser logo acolhido. O amor deseja ser embalado pelos silêncios das cantigas de ninar. Quem nunca confessou o amor apenas com a ternura do olhar? Quem nunca cantou sua canção favorita sem um rumor se quer? Quem nunca leu um poema nos olhos da pessoa amada?

Palavra não quer dizer intimidade. A intimidade possui outras vestes, diferente do amor. O amor se veste com adequada nudez. No amor nem toda centelha é fogo. Seu rosto de noite é travessura. Ebriedade. Seu rosto de noite é solidão. Seus cílios se afeiçoam a tristeza, se afeiçoam a loucura. A loucura é sua melhor razão. Maria diz saber ouvir o dormir de minhas palavras. O rumor da palavra apenas assusta a ternura, continua.

Quanto às palavras, eu as cultuo como a um deus. As palavras vestem a ternura, dão-lhes trajes de festa. Em silêncio a linguagem ajoelha-se para melhor rezar a palavra pecado. No silêncio da palavra pecado é onde reside a sua santidade. No silêncio do amor é onde os amantes melhor se ouvem.

Maria chora em silêncio um amor que não teve. Minha poesia chora em palavras por um dia que não houve haver.

terça-feira, 1 de abril de 2008

A chuva me ensinou a chorar.

Pintura - René Magritte.

Em dias de chuva a vida ganha nuances diferentes. Tudo fica mais poético e acolhedor, as paredes e as árvores vestem-se com matizes outras. Os livros ganham mais sabor, por causa do tempero do clima. Em dias de chuva minhas palavras mostram-se nuas e felizes, tristes e despudoradas, minhas palavras tornam-se ainda mais paradoxais, mais minhas. Torno-me mais íntimo de mim, converso com meus medos, ponho pra dormir as ausências, passo café a dois. Em dias de chuva sou mais companhia, me dou as mãos e saio num passeio íntimo. Em dias de chuva minha solidão sai para fluir, gosta de ser acarinhada pelas mãos do vento, de sentir as pálpebras da brisa. Delírio.
Passei a chorar em público em um dia de chuva, ou melhor, em uma noite de chuva. Por acreditar que ninguém me perceberia chorar. Passei a chorar em público quando a noite também chovia, quando a noite escorria por sobre minha face e olhos, umedecendo meu olhar translúcido. Meu olhar nunca anoiteceu tanto. A chuva é uma tristeza chorando. A chuva me ensinou a chorar.
Em dias de chuva serenam meus olhos sobre a nudez do tempo. Em dias de chuva meu olhar também chove, meu olhar me chove.
Chove minha alma comovida.