sábado, 9 de fevereiro de 2008

Não quero viver por viver

Pintura Jean Basquiat

Esse texto foi escrito há um ano. Há uma confissão nele que eu gostaria que ficasse.

Não quero viver por viver. Não quero a farsa da vida. Quero o sabor da vida, mesmo que seja ou esteja ele amargo. Quero a solidão de uma estrela como minha. Quero minha solidão povoada do que sou, mesmo sendo multidão. Não quero viver por viver. Quero o corte, a cicatriz, o perfume, a textura da pétala, a dor que causa o espinho. Quero minha tristeza intocada quando plena, quando me fizer chorar mansinho ou gritado. Gritado como esses silêncios que se insinuam ouvidos, gritado como uma confissão de amor ao pé do ouvido. Gritado como pretendo existir. Mansinho como dorme uma criança. Não quero viver por viver. Quero a palavra. Sendo navalha ou carinho, quero a palavra. Quero a palavra sendo amiga, prece ou pecado. Não quero viver por viver. Quero ser poema. Quero que todo sentir seja intenso, alegre ou doendo, canônico ou pecador. Quero um sentir intenso para o amor. Não quero viver por viver. Quero cheirar os cachinhos de minha avó, pedir a sua benção, fitar seu olhar que é doce, beijar a sua testa e vê-la dormir. Quero dizer que a amo. Não quero viver por viver. Quero o simples, o complexo, a alegria, a tristeza, as sensações, os vazios, o transbordar, o vinho, o abandono do copo, o abandono do corpo, a nudez, as vestes esfarrapadas, as vestes lindas, o mendigar, a fartura. Quero o acordar, o recolher de pálpebras, o cheiro dos lençóis, a cama bagunçada, o amor a espera, o êxtase do sexo, o orgasmo da vida. Não quero viver por viver, mas, não desejo um morrer em vida. Quero um morrer repleto de tanta vida.
- Amigo, de que morreu o poeta?
- De tanta vida, amigo, de tanta vida.

Um comentário:

Julia Pastore disse...

Tens toda razão, caro poeta. "Há silêncios em nossas palavras mais gritadas." Justamente, morremos de tanta vida.

To acompanhando aqui. saudações poéticas.